RETROSPECTIVA INTERNACIONAL - ALAIN CAVALIER: RETRATOS/AUTORRETRATOS
Alain Cavalier é um filmador (filmeur), alguém
que filma. Faz isso profissionalmente há meio século.
Estreou na esteira da “nouvelle vague” com
um thriller (“Paixões e Duelo”, 1961), seu caminho
particular com dramas ascéticos como “Thérèse”
(1986) e “Libera Me” (1993), até o cinema não-ficcional
dominar seu discurso fílmico. Cavalier, vale
dizer, não se considera documentarista.
Nas últimas três décadas, Cavalier nos apresenta
personagens maiores que a vida encontradas
em seu cotidiano. As duas séries “Retratos” (Portraits),
da virada dos anos 1980 para os 1990, são
variações em torno de um dispositivo simples e
rigoroso: resumir em cerca de 13 minutos a autobiografia
oral de mulheres que trabalham com
as mãos. São 23 pequenas obras-primas, uma tão
distinta da outra quanto a trajetória de suas protagonistas.
Aos poucos, no interior dos próprios
“Retratos”, Cavalier já esboça seu autorretrato.
Primeiro, ouvimos sua voz de habilidoso entrevistador.
Num curta, e depois noutro, eis uma e
logo outra revelação de seu próprio cotidiano. A
voz acaba por ganhar um rosto. Cavalier estava
pronto para a mais recente vereda de sua corajosa
filmografia.
Entre 1978 e 2009, de “Ce Répondeur Ne Prend
Pas De Messages” (Esta Secretária Eletrônica não
Grava Recados) a “Irène”, foram quatro autorretratos.
A revolução técnica do digital permite-lhe a
fundação estética de um memorialismo audiovisual.
A trama que desenvolvia pré-filmagem em
seu começo de ficcionista passa a construir-se
no momento mesmo da gravação autobiográfica
cotidiana. A partir de seus diários, Cavalier agora
esculpe seus filmes. Para a câmera do filmador, na
vida é tudo cinema –ou assim pode ser.
Amir Labaki
Filmes da Mostra
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