HOMENAGEM A BENEDITO JUNQUEIRA DUARTE
O crítico Francisco Luiz de Almeida Salles, uma
das personalidades essenciais do cinema em São
Paulo no século passado, escreveu num prefácio
que Benedito Junqueira Duarte “aliava o respeito
à verdade, ao culto da indignação”. O primeiro
garantiu a Duarte um lugar no cinema brasileiro;
o segundo, sequestrou-o injustamente desta história.
O fotógrafo, cineasta e crítico B. J. Duarte,
como preferia ser conhecido, amou o cinema mas
torcia o nariz para as chanchadas e abominava o
Cinema Novo. Admirava a Vera Cruz mas execrava
Lima Barreto, o diretor do maior sucesso do
estúdio paulista, “O Cangaceiro”. Militou intensamente
pelo desenvolvimento do cinema brasileiro
mas não hesitava em afirmá-lo “tão cheio de
picaretas”. Nada que surpreenda, portanto, que o
silêncio em torno de sua figura tenha se imposto,
apenas quinze anos passados desde sua morte.
Seu centenário de nascimento, a ser celebrado
em julho próximo, surge assim como um oportuníssimo
convite para uma revisão de sua obra.
Esta homenagem do É Tudo Verdade pretende
apenas acelerá-la, seguindo- se ao pioneiro movimento
iniciado duplamente pela Secretaria
Municipal da Cultura de São Paulo (gestão Carlos
Augusto Calil) há dois anos, com o restauro em
parceria com a Cinemateca Brasileira de alguns
documentários curtos sobre a capital paulista de
sua larga produção e com a publicação em livro,
ao lado da Cosac Naify, de um deslumbrante volume
com sua obra fotográfica, intitulado “Caçador
de Imagens”.
Nada mais justo. Foi trabalhando para o então
nascente setor cultural da administração paulistana
que, a partir de meados dos anos 1930, Duarte
desenvolveu seu talento fotodocumental,
anteriormente aplicado ao trabalho como retratista
da burguesia e repórter fotográfico, e o estendeu
para o cinema. O convite para sua contratação
partiu de, sempre ele, Mário de Andrade.
“Em sua fotografia”, escreveu o critico Rubens Fernandes
Junior, “nada é supérfluo, nada é acidental,
ao contrário, tudo é deliberado e consciente,
resultado de uma formação técnica qualificada e
uma formação cultural abrangente e sofisticada”.
O mesmo pode ser dito de seu cinema.
A filmografia documental de B. J. Duarte dividese
em dois momentos, com evidente coerência
entre eles. A primeira parte, na qual se fixa o
essencial da sessão em sua homenagem, fecha
o foco na expansão vertiginosa de São Paulo,
de pacata cidade à caótica metrópole. Como
no primeiro Joris Ivens, as imagens fotográficas
ganham movimento, fascinadas pelas novas formas
e novos ritmos. Eram filmes, nas palavras do
próprio Duarte, “tímidos e carentes de intenções
mais ambiciosas mas que, de qualquer forma, fixaram
aspectos pitorescos de São Paulo”.
Concomitante à vinculação de Humberto Mauro
ao Instituto Nacional do Cinema Educativo, esta
primeira etapa de curtas documentais informativos
e didáticos foi superada por uma crescente
especialização de Duarte no documentarismo
científico e médico, do qual se tornou o mais
expressivo especialista brasileiro. Dentre os mais
de 150 títulos realizados por ele, constantemente
premiados aqui e no exterior, nenhum supera
em importância o rodado em maio de 1968, em
que documentou, ao lado de Estanislau Szankóvski,
o primeiro transplante cardíaco realizado
na América do Sul, sob a coordenação do doutor
Euryclides de Jesus Zerbini.
“Há filmes didáticos que são pura arte, pura poesia
(alguns de Jean Painlevé, por exemplo), e
filmes artísticos altamente didáticos, como os
de Robert Flaherty”, resumiu Duarte certa feita
numa entrevista. Em sua incansável caça às imagens,
Benedito Junqueira Duarte não raras vezes
alcançou seu ideal – e, generoso, batalhou como
poucos para preservar as captadas por todos, na
linha de frente da fundação do Foto Clube Bandeirante
e da Cinemateca Brasileira.
Escrevendo sobre o jornalista, crítico e memorialista
Paulo Duarte (1899-1984), irmão mais velho
de Benedito, Antonio Candido destacou como
“em 1922, Paulo Duarte era literariamente conservador,
embora culturalmente renovador”. Se
trocarmos as letras pelo cinematógrafo e adiantarmos
um pouco o relógio da história, a fórmula
veste bem o mais jovem Duarte. É mais que hora
de (re)conhecê-lo melhor.
Amir Labaki
Filmes da Mostra
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