RETROSPECTIVA INTERNACIONAL - ANDRÉS DI TELLA



Andrés Di Tella e o documentário do "eu"

NO ÂMBITO DE UM DOCUMENTARISMO argentino rico e sempre renovado, a obra de Andrés Di Tella se destaca por colocar em cena uma reflexão sobre o gênero documentário ao mesmo tempo em que nos faz ver a realidade segundo seu olhar.

Começou como videoartista, e também passou por estúdios de televisão, antes de se dedicar a realizar longas- metragens com temáticas culturais e sociais muito diversas. No entanto, todas suas produções têm em comum a vontade de explorar o encontro entre o ficcional e o documental.

A estrutura narrativa de seu primeiro longa-metragem, Montoneros, uma história, apóia-se em uma viagem que aproveita o deslocamento espacial para integrar um longo diálogo com Ana Testa, que relembra sua militância e a posterior repressão da qual foi vítima. Nesse transferir-se em direção ao passado, Di Tella procura fugir do documentário político tradicional pensado como testemunho ou como documento, para mostrar ao espectador a experiência vital dos militantes, carregada de ideias, mas também de emoções, de humor e de muita fragilidade.

Já neste primeiro filme, o realizador introduz vários dos elementos que trabalha ao longo de sua filmografia. Por um lado, a opção por mostrar as operações intelectuais e técnicas que lhe permitem desenvolver os filmes que realiza; por outro lado, trabalhar a enunciação subjetiva dentro do documentário.

Nesse sentido, A Televisão e eu implica uma marca em sua filmografia. É ali onde abre para o olhar do público a caixa de ferramentas com a qual trabalha, isto é, os materiais audiovisuais que usa e a forma contraditória em que esses materiais vão se construindo e ordenando. Di Tella se apresenta em primeira pessoa para expressar as tensões entre seus propósitos conscientes e a forma em que estes se resignificam durante o processo criativo. Para isso, coloca à nossa disposição as dificuldades e as paixões que vão se despertando no caminho do conhecimento.

Assim como A Televisão e eu é um filme no qual Di Tella explora sua relação com o projeto industrial e familiar paterno, Fotografias se centra tanto na memória como no legado maternos. No primeiro, a ênfase está em mostrar como se articula o público e o privado no âmbito de uma família que na Argentina é sinônimo de de- senvolvimento industrial e vanguarda estética. No segundo filme, o realizador transita na cultura hindu para se encontrar com uma espiritualidade que lhe resulta muito distante, embora o aproxime de sua mãe.

O díptico não coloca em jogo essa matéria-prima autobiográfica para comover o espectador, e sim para romper absolutamente a tradição do documentário clássico e expositivo, olhando para dentro, interligando os fatos que se desejam conhecer com redes complexas e caóticas nas quais intervêm razões pessoais, sociais, históricas e culturais.

Também sua última criação, Golpes de machado, assume que a riqueza do documentário radica na possibilidade de que o espectador veja o processo de conhecimento no qual o realizador transita em função de se apropriar de uma determinada realidade. Desta vez, Di Tella se vê obrigado a precipitar-se no abismo, já que o objeto de observação é o artista Claudio Caldini e sua obra. Assim, nessas imagens se entrelaçam as certezas e incertezas de dois universos criativos que sempre experimentam no limite das concepções artísticas.

Em resumo, Andrés Di Tella conseguiu produzir uma obra cheia de surpresas, entre outras uma sistemática reflexão teórica sobre o gênero. Inovação e autoconsciência são as palavras que melhor caracterizam seus trabalhos.

Clara Kriger




Filmes da Mostra


O País do Diabo
ANDRÉS DI TELLA (ARGENTINA/ ARGENTINA, 2008)


Fotografias
ANDRÉS DI TELLA (ARGENTINA/ ARGENTINA, 2007)


Golpes de Machado
ANDRÉS DI TELLA (ARGENTINA/ ARGENTINA, 2011)


A Televisão e Eu
ANDRÉS DI TELLA (ARGENTINA/ ARGENTINA, 2002)


Macedonio Fernández
ANDRÉS DI TELLA (ARGENTINA/ ARGENTINA, 1995)


Montoneros, Uma História
ANDRÉS DI TELLA (ARGENTINA/ ARGENTINA, 1995)


Proibido
ANDRÉS DI TELLA (ARGENTINA/ ARGENTINA, 1997)


Reconstituição do Crime da Modelo
ANDRÉS DI TELLA, FABIÁN HOFMAN (ARGENTINA/ ARGENTINA, 1990)





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