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É TUDO 2001 VERDADES
O É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários está cada vez melhor. Está também cada vez mais procurado, mais profundo e cada vez menos verdadeiro. Explico. A sociedade, como um todo, agora dilui suas verdades. Os eixos históricos sobre os quais se assentavam as verdades perdem sua solidez, adquirem formas mais difusas, abrangentes e, paradoxalmente, mais sinceras. Por exemplo, a Bíblia, padrão de verdade da civilização ocidental, para impor-se como "regulamento da verdade", em nome do qual tanto se matou, espoliou e massacrou, ganha multifacetadas interpretações com os novos cultos, dissidências, liturgias e códigos comportamentais que hoje não se ajustam ao que poderia ser considerado um modelo de verdade. Outro exemplo: a revolucionária visão feminina, milenarmente ausente da expressão artística, torna-se uma avalanche nas artes visuais, nos meios de comunicação e na tomada de decisões. Também as ideologias, razão de ser dos grandes confrontos do último século, tornam-se insustentáveis diante da leveza dos seres.
Os novos parâmetros civilizatórios questionam o próprio termo "documentário", expondo sua origem cartorial e a suspeição vigente quanto a este velho e, antes inquestionável, padrão de consagração da verdade: o cartório.
Neste sentido, a verdade é assumida, junto a todo o entendimento do universo, como algo em transformação, em evolução. É uma busca permanente e eterna, um jogo de esconde-esconde, uma pescaria, com a participação de cada vez mais indivíduos e tribos, apoiados em razão, sensibilidade, conhecimento, e expressa na tecnologia disponível em seu tempo.
Assim, perdemos "a verdade", ganhamos 2001 verdades, com milhões de participantes e a maravilhosa possibilidade de fazer cinema em casa. O Festival, entre tantas outras coisas, mostra isso também.
MARCOS SANTILLI
DIRETOR DO MUSEU DA IMAGEM E DO SOM DE SÃO PAULO
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